A série Adolescência, da Netflix, trouxe à tona discussões sobre temas sensíveis e preocupantes, como a masculinidade tóxica, a violência online e o universo dos incels. O termo incel (“involuntary celibate” ou “celibatário involuntário”) se refere a pessoas que se descrevem como incapazes de ter relacionamentos ou vida sexual, embora desejem estar em um. O problema central desse movimento é que, em muitos casos, ele é baseado em discursos de misoginia e ressentimento contra mulheres e homens que possuem relacionamentos bem-sucedidos.
Origem e Evolução do Movimento
O conceito de incel surgiu nos anos 1990, quando uma jovem canadense chamada Alana criou um blog para discutir dificuldades em estabelecer relações afetivas. No entanto, o movimento se transformou com o passar dos anos, migrando para fóruns online e adquirindo um tom cada vez mais agressivo. Comunidades como Reddit e 4chan se tornaram espaços onde discursos de vitimização, misoginia e até mesmo violência são disseminados.
Os incels geralmente se dividem em dois grupos principais: aqueles que expressam frustrações sobre a solidão e aqueles que propagam discursos de ódio contra mulheres e contra a sociedade em geral. Esse último grupo é o que mais preocupa especialistas, pois há históricos de incitação e cometimento de crimes violentos por parte de indivíduos ligados a essas ideias.
Incels e a Cultura da Violência
Vários casos de crimes cometidos por homens que se identificavam como incels levantaram alertas globais. Em 2014, Elliot Rodger assassinou seis pessoas na Califórnia e justificou suas ações como uma retaliação contra mulheres que o rejeitavam. Em 2021, Jake Davison, que disseminava ideias incels nas redes sociais, matou cinco pessoas no Reino Unido. Esses e outros casos levaram órgãos de segurança de vários países a considerar os incels como uma possível ameaça terrorista.
O discurso incel frequentemente incorpora conceitos como a “pílula negra” (black pill), uma referência ao filme Matrix. Segundo essa ideia, os incels acreditam que estão fadados ao fracasso amoroso devido à biologia e à estrutura social, e que nada pode ser feito para mudar essa realidade. Isso reforça a desesperança e, em alguns casos, leva à radicalização e à violência.
A Representação dos Incels em Adolescência
Na série Adolescência, esse universo é abordado de maneira realista e impactante. O protagonista, Jamie Miller, é um adolescente que entra em contato com essas ideias através de fóruns online, sendo influenciado por discursos de ódio e misoginia. A produção mostra como meninos vulneráveis podem ser cooptados por essas comunidades e, sem uma orientação adequada, podem acabar trilhando caminhos perigosos.
A série também destaca conceitos comuns entre os incels, como a “regra do 80/20”, que sugere que 80% das mulheres se sentem atraídas por apenas 20% dos homens. Essa ideia reflete o fatalismo presente nesses grupos e contribui para a percepção de que os incels são “destinados” à solidão.
O Impacto na Sociedade e Possíveis Soluções
A ascensão dos incels levanta questões importantes sobre a saúde mental masculina, o papel das redes sociais na disseminação de discursos extremistas e a necessidade de um debate mais profundo sobre masculinidade e relações interpessoais.
Pesquisadores apontam que muitos jovens entram nesses fóruns por se sentirem solitários e inseguros, e acabam absorvendo discursos negativos que reforçam suas dificuldades. A solução pode passar por iniciativas de saúde mental voltadas para homens, que promovam a autoestima e ensinem formas saudáveis de lidar com rejeição e frustração.
A regulamentação do conteúdo online também é um ponto chave. Muitos especialistas defendem que as redes sociais precisam ser mais rígidas na moderação de discursos de ódio e na prevenção da radicalização de jovens vulneráveis. Além disso, escolas e famílias devem ter um papel ativo na educação emocional e digital dos adolescentes, ajudando-os a identificar influências nocivas e a construir relações saudáveis.
Considerações Finais
O fenômeno dos incels é um reflexo de questões sociais mais amplas, incluindo solidão, insegurança e a busca por pertencimento. Quando não tratados, esses sentimentos podem levar à radicalização e à violência.
Séries como Adolescência desempenham um papel fundamental ao trazer esse tema para o debate público. Compreender a origem e as dinâmicas desse movimento é essencial para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e intervenção.
Ao abordar a masculinidade de forma mais ampla e positiva, a sociedade pode oferecer alternativas saudáveis para jovens que, de outra forma, poderiam ser seduzidos por discursos perigosos.
Fonte: BBC News Brasil
Foto de Cottonbro Studio
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